CHAVEIROS EM SÃO PAULO
ABREM CARROS SEM PEDIR IDENTIFICAÇÃO DO CLIENTE
FELIPE NÓBREGA
Colaboração para a Folha de S.Paulo
Não
é mais preciso um ladrão para arrombar portas. Hoje, com
a ajuda de um chaveiro, é possível invadir residências
ou sair guiando um carro alheio. A
Folha, agindo como quem perdeu a chave do carro, foi a cinco chaveiros,
escolhidos aleatoriamente nas cinco regiões da capital. Todos
abriram um Ford Fiesta sem exigir nenhum documento que comprovasse a
propriedade do bem. Segundo
a lei estadual 11.066/02, que disciplina a profissão, os serviços
prestados devem ser registrados num formulário padronizado, com
a autorização do cliente.
"O
formulário nunca foi implantado", diz Paulo Sérgio
Dezen, 49, que foi presidente do extinto sindicato da categoria. Para
Francisco Canindé, 42, presidente da Asbrac (Associação
Brasileira do Grupo de Chaveiros), todo profissional deveria ser cadastrado.
"Pagando, qualquer um pode fazer curso que ensina a abrir até
cofre. Não existe fiscalização."
O governo
do Estado justifica ser inconstitucional a lei, pois ela cria gastos
para a Secretaria da Segurança Pública. É responsabilidade
do órgão fiscalizar o serviço e dar cursos aos
chaveiros -só o governo pode criar uma lei dispendiosa. Segundo
o chaveiro Marcelo Freitas Cavalcante, 35, nos EUA, a polícia
deve acompanhar a abertura -o consulado do país no Rio, que reúne
um centro de pesquisa, diz não ter como confirmar a informação.
Por confiar na "boa-fé" dos clientes, Adalberto Salgado,
44, quase se deu mal. "Um pai queria me processar porque o filho,
menor de idade, bateu o carro da família. O garoto mandou fazer
uma chave-reserva sem a autorização dele."
Um
chaveiro é capaz de abrir um carro em menos de 20 segundos. O
serviço custa cerca de R$ 40, mas o preço pode dobrar
de acordo com a marca do veículo e o bairro em que está.
Complexidade
"Nos
carros produzidos a partir de 2000, a chave tem chip, e o motor não
dá partida se ela não é codificada", explica
Denílson Migotto, 42, que cobra a partir de R$ 110 para fazer
uma cópia criptografada. O processo leva 40 minutos. Conforme
aumenta a complexidade do sistema de abertura e da ignição,
cresce o custo. No Renault Mégane, que tem chave em forma de
cartão, uma nova peça custa R$ 480 e leva até 25
dias para vir da França. O
problema piora quando o usuário perde também as cópias
originais. Por exemplo, num Totoya Corolla, é preciso trocar
os cilindros das fechaduras e o módulo da injeção
eletrônica. Segundo a Inter Japan, os itens somam R$ 8.305.00
Há
uma tabela da Asbrac que padroniza o valor de cópias e confecção
de chaves. Reprogramar o sistema de segurança e fazer chaves
custa cerca de R$ 1.800. A Toyota diz que o procedimento anula a garantia.
Outro
lado
Quatro
das cinco empresas que abriram o Fiesta para a Folha sem exigir a identificação
do cliente disseram, dias após o serviço e por telefone,
que o ocorrido havia sido um caso isolado. Individualmente,
Ediron Chaveiros (Vila Mariana, zona sul), Chaveiro Walter Leite da
Silva (Campos Elíseos, centro), Chaveiro Rei das Chaves e Carimbos
(Tatuapé, zona leste) e Chaveiro Itaim (Itaim Bibi, zona oeste)
afirmaram pedir documentos quando realizam serviços externos. Já
o Chaveiro Cardoso (Casa Verde, zona norte) assume que raramente solicita
um documento porque "nunca houve reclamação por parte
dos consumidores".
A Associação
Brasileira do Grupo de Chaveiros, por meio do seu presidente, Francisco
Canindé, condena esse tipo de prática e diz ter ciência
de que muitos profissionais prestam serviço sem exigir nenhuma
prova. "Falta
fiscalização. O correto seria o chaveiro trabalhar identificado,
com uniforme e crachá da empresa, além de ter "ficha
limpa" na polícia atualizada semestralmente." Procurada
pela Folha, a Ford não explicou como os chaveiros conseguiram
abrir um Fiesta 2004 --que é codificado-- sem a chave original.